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𝐇𝐈𝐒𝐓𝐎́𝐑𝐈𝐀 𝐄 𝐑𝐄𝐒𝐈𝐒𝐓𝐄̂𝐍𝐂𝐈𝐀 𝐍𝐀 𝐏𝐀𝐒𝐒𝐀𝐑𝐄𝐋𝐀

IDEALIZADORA DA VOU ASSIM DESFILA PARA A MARCA

AÇU COM VISUAL QUE FALA SOBRE O INCÊNDIO DA IGREJA DE CHAPECÓ


Igreja foi incendiada na década de 50. Quatro pessoas foram assassinadas

em praça pública, duas delas eram inocentes.


Josias Dias em parceria com A Pimentel

Vou Assim l São Paulo (SP)

13 de julho de 2023


Nesta quarta-feira, 12, a modelo e produtora cultural a Pimentel desfilou para a marca Açu na 52° edição da Casa de Criadores, no Centro Cultural de São Paulo. A marca traz o conceito do incêndio da igreja de Chapecó na sua peça principal. A roupa possui elementos com frases e figuras que remetem o período sombrio da cidade. A escolha da artista surgiu pelo fato da marca falar sobre transmutação, liberdade e resistência. Natural de Caldas do Jorro-BA, a modelo é a aposta da marca da capital de Santa Catarina que se faz presente mediante as grandes marcas. A Casa de Criadores é o principal evento dedicado a moda autoral brasileira e reconhecido por lançar novos talentos. Com apoio e investimento da Secretaria de Cultura de São Paulo, a edição contou com uma grande estrutura com feiras livres, desfiles e shows gratuitos. A nova edição começou ontem e vai até o dia 16 de julho.

A Pimentel e a marca Açu são novos no mundo da moda, mas já surpreenderam ao desfilar a peça que fala sobre a queima da igreja da cidade de Chapecó, que fica a 405km de Florianópolis. A peça principal é feita com saco de ráfia que remete a região agrícola e a fartura de grãos e ração produzida e utilizada pela pecuária. Na parte central tem dois grandes monumentos aos coronéis que é o desbravador –o homem branco que veio do sul – que segura um ramo na mão e representa o progresso, e as torres da igreja de madeira, além de alguns outros símbolos da Açu e do coletivo Inço que captam a mensagem. As bordas da capa são queimadas e levam a impressão de refinamento, complementado pelo colar feitos com três isqueiros que com compõe o visual da modelo.


Segundo o idealizador da marca e o diretor artístico do desfile, Giba Duarte, 40+, a coleção “Resto de Rolo” partiu de materiais doados, como sobras de tecidos e descartes da indústria têxtil. Sua parceria com a Pimentel surgiu com a residência no Ateliê da TRANSmoras, em que a artista já desfilou, e foi ganhando impulso com o desenvolvimento da plataforma Açu e da Vou Assim que ambos fizeram colaborações: durante a pandemia, a coletiva Açu saiu junto com a Pimentel através das oficinas online. Sempre tivemos esse contato porque viemos da mesma leva” – afirma.


Outro ponto ressaltado é sobre a marca falar sobre transmutação, liberdade e resistência, algo que a artista imprime em sua trajetória:


“A Pimentel vem desse lugar de resistência, de falar as coisas que precisam ser ditas e não esconder. Sua trajetória do interior da Bahia, que passa pela violência do interior, principalmente por ser uma pessoa transvestigênere tem todo um link que sincroniza com a nossa essência. Para além disso, ela consegue se transmutar na passarela e vender a identidade do projeto. E fora que a minha colega é lindaaa” – brinca.


A maquiagem ficou por conta do maquiador Michelle dos Caralhos que assina a sua marca Make dos Caralhos em cooperação com a artista. Revela que já trabalharam juntes na 50° edição da Casa de Criadores e estão retomando as colaborações nesse projeto. O maquiador fala que suas escolhas são voltadas na realização final para que o público possa olhar, se identificar e querer o seu trabalho, e que a Pimentel é a extensão disso, pois carrega o conceito artístico e exatamente o nicho do seu produto:

“admiro muito o trabalho dela e é por isso que a gente sempre faz uma força para estarmos juntas. Toda marca tem uma persona, né? E a persona da minha marca, que é o meu nicho, são pessoas trans e principalmente travestis. E ela retrata isso.”

Para a maquiagem do desfile, Michelle optou por uma maquiagem artística mais leve que traz um glow para a pele da modelo, com o olho bem-marcado na cor azul, gráficos em cima das sobrancelhas e ao lado dos olhos que é a proposta do briefing.

Em conversa com a modelo antes da performance na passarela perguntei como estava a expetativa de carregar o conceito que a marca propõe. Ela se mostrou ansiosa e ao mesmo tempo feliz por ser a escolhida para fechar o desfile da Açu: é uma grande responsabilidade carregar esse look, né? (risos). Mas acredito muito no trabalho da Plataforma Açu e no coletivo de outras pessoas.” fala. Ela ainda ressalta que sua família, pela primeira vez, assistirá um trabalho artístico seu, e isso é o principal motivo de seu nervosismo:

tem um detalhe: minha família está na plateia assistindo, minha prima e minha irmã de lá do sertão da Bahia, e isso me deixa um pouco mais ansiosa porque essa é a primeira vez depois de oito anos de carreira que eles acompanham o meu trabalho.” – explica.

A Pimentel diz que pesquisou muito para embarcar nessa missão assim que soube da historia e foi uma surpresa, mas que esse desafio dialoga com seu trabalho: “minha corpa e minha imagem já foram usadas para outras lutas, outras historias, então é mais uma extensão do que eu sou e posso representar.” – completa

Conforme a história, quatro pessoas foram linchadas até a morte em praça pública em 18 de outubro de 1950. Um grupo estimado de 80 pessoas invadiu a prisão municipal, do qual os acusados foram presos pelo ocorrido no dia 4 de outubro do mesmo ano e os assassinaram. As vítimas levaram pauladas, tiros e facadas mediante a multidão e foram arrastadas após mortos pela cidade e queimados em praça publica, dois deles eram comprovadamente inocentes. Esse ato não pode ser visto como uma atitude isolada de um pequeno grupo, e sim de um sistema arcaico e funcional em que brancos e latifundiários detém o poder e as grandes fortunas e, com isso controlam a sociedade em como deve e pode agir. Chapecó é conhecida por ser uma região rural e coronelista, apesar do seu desenvolvimento urbano e possui, majoritariamente, famílias que provêm de colonizadores e madeireiros famosos por protegerem politicamente os seus e perseguirem os que vão contra aos seus interesses.

Segundo Audrian Cassanelli, 35 anos, do Coletivo Inço – parceiros da Plataforma Açu – e responsável pela obra vestível da Pimentel, a escolha da narrativa é devido ao apagamento e ocultação da tragédia que tomou o município. Tanto a população como o governo fazem de tudo para não resgatar a história que serviria de aprendizado e vergonha. O silenciamento começou muito antes, após quatro anos, em 1954, quando misteriosamente o professor e poeta Vicente Morelatto foi assassinado, aos 26 anos. Até hoje não foi revelado o motivo de sua morte que ocorreu logo após a impressão de 400 exemplares do seu livreto que contava em versos de cordel o triste passado da História do Incêndio da igreja de Chapecó e o Linchamento dos Quatro Presos. 100 exemplares chegaram a ser distribuídos, mas 300 deles foram confiscados e queimados pelas autoridades. Em 2021, dois documentaristas resgataram sua obra e relançou com inovação:

“é uma forma da gente falar desses acontecimentos que rondam Chapecó e esse coronelismo todo. Um trabalho que é um protesto, que é um trabalho vestível, que traz o livro de Vicente Morelatto que voltou a circular recentemente.” – afirma.

Rafael Silva, 36 anos, diretor criativo e styling da marca Açu deixa claro que o fato de as agroindústrias serem grandes polos empregatícios existe para limpar a imagem ruim, e por isso não é muito falado, pois funciona como um cala a boca, ou melhor dizendo, como apagamento da violência. A camada do incêndio da igreja sobrepõe aos assassinatos em massa dos povos indígenas:

“todo mundo fala que Chapecó é terra indígena e cemitério indígena. A cidade é construída em cima dessa chacina dos povos originários. Essa é uma camada anterior, mas que permeia a gente o tempo todo. E esse apagamento é para fazer a gente esquecer e esconder tudo isso.” - acrescenta

A Pimentel relata que o fato de vir do Sertão da Bahia, região em que aconteceu a Guerra de Canudos, traz a narrativa de luta e opressão que o desfile quer passar e que, apesar de estarem em realidades completamente diferentes, vem do lugar de uma pessoa interiorana, periférica e que desde cedo aprendeu que trabalhar em comunidade é um pacto social emergente da vulnerabilidade:

“são espaços que são isolados das grandes cidades e que dialoga muito com essas realidades distintas. E ainda vindo com essa questão de confronto e coletividade, né, da qual eu venho, é algo que me impacta muito” – complementa


Seria então a parceria da marca do sul do país com uma pessoa transvestigênere do nordeste uma forma de reaproximar as duas regiões que não são distintas apenas pela geografia e culturas que as formam, mas principalmente nas visões políticas que rechaçou o pais nas ultimas eleições? Tanto a Pimentel, quanto a Plataforma Açu e o Movimento Inço acreditam que sim. Esse é um ponto em comum para fazer o Brasil caminhar para o progresso sem esquecer e esconder o seu passado vergonhoso.


Link Fotos BackStage (Fotografo @istreladoamanha):


Link Desfile Youtube:









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